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Dr. Carlos Inácio de Paula é referência para colegas e para a Medicina goiana

Em 12/11/20 21:00.

Além de pioneiro na área de Oncologia em Goiás, o dr. Carlos Inácio atuou para manter unida a turma que completou 50 anos de formatura em 2019

Texto: Ana Paula Vieira

Fotos: Livro "Os Oitenta" e Cebrom

O dr. Carlos Inácio de Paula, egresso da quinta turma da Faculdade de Medicina da UFG, tornou-se referência para os colegas e para a Medicina goiana. Para os colegas, pois é um dos responsáveis por manter unida a turma de 80 profissionais que se graduaram em 1969 e continuam se reunindo periodicamente, mantendo os laços de amizade. Para a Medicina goiana, Carlos Inácio construiu um legado de pioneirismo na área de Oncologia: identificou uma lacuna no tratamento de câncer na capital, se especializou em São Paulo na década de 1970 e, ao retornar para Goiânia, não se preocupou apenas com o atendimento de pessoas com câncer, mas também em formar outros profissionais na área. Desenvolveu o curso de residência em Oncologia do Hospital Araújo Jorge, criou o Centro Brasileiro de Radioterapia, Oncologia e Mastologia (Cebrom) e fundou e dirigiu a Regional Goiás da Sociedade Brasileira de Mastologia. 

Aluno exigente e preocupado com a qualidade do curso de Medicina do qual fazia parte e ajudava a construir, Carlos Inácio viveu o período da ditadura militar como estudante, após o presidente deposto, João Goulart, ter assinado um decreto duplicando as vagas do curso de Medicina da UFG. “Entendemos que tínhamos que colaborar para ter um ensino de qualidade, então houve uma sintonia dos alunos para colaborar e dos professores, para nos ensinar”, lembrou. Mais tarde, ele próprio se tornou professor da UFG, atuando na cadeira de Biofísica de 1973 até 2000. 

Aos 77 anos, o dr. Carlos Inácio continua clinicando, porém somente em casos de câncer de mama, após já ter trabalhado com todos os tipos de câncer e ter se destacado em cirurgias de reconstrução de mama pós-mastectomia, cirurgias inovadoras que não retiram a mama da paciente ou que refazem a mama no mesmo dia em que a pessoa foi operada. Incansável, o médico ainda encontrou tempo para escrever um livro sobre sua turma de graduação na UFG, que comemorou em 2019 o jubileu de ouro (50 anos da formatura). Em entrevista à Sempre UFG, ele conta sobre essa trajetória como médico, estudante e professor da Universidade. 

O senhor se formou na quinta turma de Medicina da UFG, em 1969. Como foram seus anos de estudo na UFG? 

Entramos no vestibular de 1964, a Faculdade tinha sido fundada em 1960, fomos a quinta turma. Nessa época, houve uma mudança de regime, de João Goulart, derrubado por um movimento de direita. Eram 40 vagas no curso de Medicina da UFG mas o governo João Goulart tinha feito um decreto para duplicar as vagas, então foi feito um outro vestibular e a turma passou para 80 alunos. Mas a Faculdade não estava preparada para 80, os militares tomaram o poder e isso repercutiu muito na classe universitária. Então nós pegamos uma Faculdade nova, que foi obrigada a duplicar as vagas. Os professores tiveram que se desdobrar para dar aula para uma turma tão grande. Entendemos que tínhamos que colaborar para ter um ensino de qualidade, então houve uma sintonia dos alunos para colaborar e dos professores, para nos ensinar. Nossa turma foi chamada de “Os Oitenta”. Tivemos uma fução importante de aumentar a Faculdade e nos orgulhamos disso. Naquela época, não tinha direito de reunião, o Centro Acadêmico foi fechado, mas entendemos que era melhor a gente colaborar porque precisávamos nos tornar bons profissionais e deixar uma Faculdade de boa qualidade. 

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Carlos Inácio de Paula em sua cerimônia de Colação de Grau em Medicina pela UFG

 

Quais são as principais lembranças que o senhor tem da UFG e como elas influenciam a sua trajetória profissional e de vida? 

Nós nos aproximamos mais dos professores. A gente exigia um ensino de qualidade e retribuía com dedicação e com sacrifício. A gente organizou grupos de estudos, colaborava com as pesquisas, dividia os produtos, o material de ensino, a sala de anatomia, os microscópios, que eram poucos, os laboratórios de bioquímica, biofísica. A turma foi dividida em oito grupos de dez e esses grupos participavam nas enfermarias, ambulatórios, consultórios, pronto socorro, sempre trabalhando além da necessidade. Nós tínhamos orgulho daquilo que nós éramos. Lutávamos por uma ética. A gente não aceitava cola, isso era combatido, era questão de orgulho fazer prova sem fiscalização porque tínhamos um código de ética, de ser honestos. Foi uma turma maravilhosa e os professores maravilhosos também, porque eles também cresceram, estavam comprometidos em fazer uma Faculdade de Medicina de qualidade. Hoje a Medicina da UFG é reconhecida no Brasil inteiro porque teve esse início de boa qualidade. 

Era uma turma muito unida, ficaram muitas histórias além da dedicação ao curso?

Tem o folclore… O Show do Esqueleto era um show que a gente fazia para satirizar a sociedade goiana. O espectáculo era uma vez por ano, uma peça teatral satírica, que satirizava o prefeito, vereadores, personalidades goianas. Era muito bom. Hoje passou a ser mais técnico, antigamente era mais gozação, brincadeira. E no esporte, naquela época era mais comum futebol e basquete, e a rivalidade era com a engenharia. A gente tinha uma grande rivalidade e a Faculdade tinha e tem até hoje uma espécie de hino de guerra, que a torcida gritava. Teve essa parte que era muito interessante também e a gente tinha um jornalzinho que se chamava “Os Oitenta”, feito no mimeógrafo. A gente criticava a faculdade, os professores, tinha uma piadinha aqui e outra ali. 

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Show do Esqueleto, espetáculo realizado por estudantes de Medicina

 

A turma comemorou o jubileu de ouro em 2019. Vocês ainda mantém o contato? 

Fazemos reuniões de cinco em cinco anos, religiosamente. Eu que lidero essa reunião, junto com mais um grupo. É uma reunião grande de confraternização. Chamamos professores, homenageamos, mantemos o vínculo com a universidade. Hoje, o orgulho e a emoção é de ver uma Faculdade de Medicina consolidada, que está sempre entre as melhores do país nos rankings. O HC hoje é enorme, um prédio bonito, grande, antes era bem humilde. Essa estrutura física toda é um orgulho pra todos nós. Ao completar 50 anos, fizemos uma reunião no Teatro Asklepiós [Teatro da Faculdade de Medicina da UFG], com um espetáculo belíssimo da Orquestra Sinfônica de Goiânia, homenagem aos professores, foi uma solenidade muito bonita. 

O senhor até escreveu um livro sobre a Turma dos 80. Como foi esse processo? 

Eu precisava registrar os acontecimentos. Sempre tive um blog e vou anotando as coisas importantes. Todas a reuniões da turma eu registro em um livro de ata. Como eu conhecia e tinha a amizade e o respeito dos outros colegas de turma, resolvi computar tudo isso num livro só. Fiz uma história resumida das minhas experiências e uma minibiografia de cada colega dos 80. Cada um também pode escrever a sua vivência pessoal, então o livro traz minhas impressões e as de grande parte dos colegas de turma, que se tornaram grandes nomes da medicina goiana. Chegamos à Academia Goiana de Medicina, que é o ápice da carreira médica. Temos colegas em São Paulo, na Alemanha, e também aqueles que foram para o interior e fizeram trabalhos brilhantes, porque a gente saía da Faculdade com capacidade para ir para o interior e resolver o problema da comunidade, tínhamos condições médicas de atender. Hoje, já morreram 24 colegas, mas grande parte ainda exerce a Medicina.

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Encontro recente da turma "Os oitenta"

 

Além do legado para a turma, hoje o senhor é uma referência em Oncologia. Esse interesse já veio desde a UFG? 

Eu pessoalmente sempre gostei de coisas difíceis, mesmo como professor eu explicava para nunca decidirem a especialidade logo no início. Você tem que levar todas as matérias com interesse para você ser um bom especialista, pois para ser um bom especialista tem que ser um bom generalista; os que decidem muito cedo só estudam aquela área específica, então sempre aconselhei e segui a ideia de decidir a especialidade depois de alguns anos. Decidi fazer cancerologia no quinto ano. Goiânia não tinha especialistas e eu antevi isso como possibilidade tanto de avanço particular como para a própria comunidade, pois a nossa comunidade era carente nessa área. Então resolvi me dedicar, fui para São Paulo, me formei no Hospital do Câncer de São Paulo, a maior instituição da América Latina. Terminei minha especialização em 1973 e resolvi voltar pra Goiânia, para trabalhar com atendimento particular, e fui convidado para lecionar biofísica na UFG. Também trabalhei no Hospital Araújo Jorge. Mais tarde fundei o Cebrom, quando, crescendo como oncologista, senti que precisava ter uma insti tuição que tratasse os pacientes particulares, pois os do SUS eram atendidos no Araújo Jorge. Era uma lacuna que tinha em Goiânia e eu juntei quatro amigos para formar o Cebrom. 

Depois de tantas realizações, o senhor continua clinicando? 

Menos, mas continuo clinicando, faço cirurgia, atendo de segunda a quinta-feira e mantenho minha carreira médica ainda em atividade. No Cebrom, me dedico a atender pacientes com câncer de mama. Fui reduzindo com o tempo, lá em 1973 eu trabalhava em todos os tipos de câncer, mas à medida que fui formando colegas, fui restringindo minha área de interesse. 

É egresso da UFG e quer contar a sua história para a gente? Entre em contato: sempreufg@ufg.br.

Fonte: Sempre UFG

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