Uma das doutoras mais jovens do país, Nattane Luiza da Costa é egressa da UFG
Mestre e doutora em Ciência da Computação pelo INF/UFG aos 24 anos fala sobre os desafios de cursar a pós-graduação ainda tão jovem
Uma das doutoras mais jovens do Brasil e a mais jovem da UFG, titulada aos 24 anos, é egressa do doutorado em Ciência da Computação do Instituto de Informática da UFG. Já seria um feito considerável pela idade, mas a história de vida de Nattane Luiza da Costa mostra uma dedicação ainda maior do que aquela já exigida normalmente na pós-graduação. No início da trajetória acadêmica, ainda no mestrado, em 2015, passou um semestre morando em Palmelo e viajando 131 km para frequentar as aulas em Goiânia em dois dias da semana. Além da rotina de viagens para fazer o mestrado, nessa época Nattane também já atuava como professora substituta no Câmpus Urutaí do Instituto Federal Goiano (IF Goiano) e viajava 39 km para lecionar. Após a finalização de seu contrato como professora passou a se dedicar integralmente ao mestrado, mudando-se para Goiânia, onde morou com os padrinhos e, somente quando conseguiu uma bolsa de mestrado, passou a dividir uma kitinet com uma amiga.
Nattane defendeu sua dissertação de mestrado em dezembro de 2016 e ingressou no doutorado no primeiro semestre do ano seguinte. No final de 2018, passou no concurso para professora efetiva da mesma unidade onde lecionou em 2016 e voltou a residir em Palmelo, retornando à rotina de viagens para ministrar aulas em Urutaí e ir a Goiânia para eventuais reuniões com seu orientador. Essa rotina continuou por um semestre. Em seguida, foi contemplada com um afastamento da instituição para se dedicar integralmente à finalização de seu doutorado. Atualmente, mora em Pires do Rio, e o caminho para o IF Goiano é de 24km. “São muitas idas e vindas, mas já estava acostumada, para mim é muito tranquilo. Cansa, mas sempre achei essas viagens agradáveis”, ameniza ela.
Apesar das dificuldades, Nattane não encontrou somente pedras pelos caminhos. No segundo ano do mestrado, certo dia, tinha “alguém interessante” no laboratório, contou ela. Agora seu noivo, Renato Gomes Borges Junior, também egresso do INF, foi companhia e apoio na jornada da pós-graduação. “Estamos esperando a pandemia passar para que possamos casar”, explicou a doutora. Em entrevista à Sempre UFG, ela contou sobre sua trajetória na Universidade e os desafios de encarar a pós-graduação ainda tão jovem.
Quando estudou na UFG e em qual curso?
Fiz mestrado e doutorado no INF, mas antes disso fiz um curso online de tecnologia digital, na área de computação; foi meu primeiro contato com a UFG. Na graduação fui para a UEG [Universidade Estadual de Goiás], no curso de Tecnologia em Redes de Computadores. Depois fiz o mestrado (2015 e 2016) e o doutorado (2017 a 2021) na UFG. Na graduação, escolhi a área devido ao contato com o curso online da UFG. Eu sabia que queria um curso da área de exatas e foi muito bacana porque eu não cheguei lá cega de tudo, sem entender nada do assunto, devido ao curso que eu tinha feito na UFG. Me identifiquei bastante.
Quais são suas principais lembranças como estudante da UFG?
Eu lembro da passarela, que é um ícone, andando e vendo os macaquinhos, que uma vez até roubaram meu lanche. Além disso, o laboratório, porque eu passava muito tempo lá. Quando fui para Goiânia, não tinha internet na casa em que eu estava, então eu tentava ficar o dia todo no laboratório para ter internet, ar condicionado e voltava para casa a noite só para descansar. Foi primordial esse acesso ao laboratório, um ambiente acolhedor e bem equipado com mesas, armários, internet. O Centro de Aulas Baru eu sempre gostei muito, queria ter aula ali desde o vestibular.
Quais foram os reflexos da formação na UFG para a sua vida e carreira?
Na parte acadêmica, pude ter a oportunidade de fazer pesquisa de qualidade com uma orientação excelente. Meu orientador [Rommel Melgaço Barbosa] sempre foi muito tranquilo e me guiou muito bem, fui entendendo o processo e evoluindo. Tive diversas oportunidades de pesquisa, pois ele tinha muitos contatos e me incluía para auxiliar em diferentes estudos. Tive a oportunidade de trabalhar com pesquisadores da USP, da Espanha, dos Estados Unidos, tivemos acesso a uma série de laboratórios. Não fui fisicamente, mas conversava com os pesquisadores e eu acho que eu cresci muito por isso. Entrei no mestrado sem saber exatamente o que era um mestrado e, aos poucos, vi o tanto que era interessante e importante. Quando consegui publicar o primeiro artigo em revista internacional (ao longo do tempo foram 12, com mais de 150 citações) foi muito bom ver todo o processo, ver que fiz parte da pesquisa e consegui contribuir de alguma forma. Como pessoa, amadureci muito; eu tinha 18 anos quando entrei no mestrado na UFG. Vários professores às vezes olhavam como quem diz “a graduação tá ali do outro lado”, mas eu sempre levava na esportiva. Na primeira aula tinha um colega vestido de terno e eu parecendo uma menina que ia para o shopping. Foi um pouco difícil a adaptação. Teve uma situação em uma aula em esquema de seminário. Tive que fazer uma série de divisões de fração por fração para resolver um problema de pesquisa operacional, e às vezes eu ficava me confundindo um pouco pois estava preocupada pensando que quem estava me assistindo eram alunos de doutorado ou pessoas que fizeram uma graduação melhor que a minha. Fiquei com medo de errar e de não ser capaz de resolver um problema simples. Um colega me auxiliou, mas quando acabou a aula eu saí para o banheiro chorando. Senti muita pressão, pensando – os jovens da minha idade não estão passando por isso, estão se divertindo e iniciando a graduação. Respirei fundo e aos poucos fui assimilando e ressignificando a situação. Segui e deu tudo certo, fui me encontrando e conseguindo evoluir de uma forma que olho para trás e penso em como tudo aconteceu, como cresci, como cada etapa foi importante.
Como o fato de ser muito jovem influenciou na sua trajetória acadêmica?
Eu sempre tive muita amizade com o pessoal mais velho que eu. Desde mais nova, já tinha uma “velhinha” habitando dentro de mim: gostava de ficar em casa, fazer crochê, tricô. Sempre gostei muito de estudar e tem coisa que não tem jeito, você precisa ir para outro ambiente que não é o seu. Sempre via o meu irmão (que também fez mestrado na UFG) e pensava, “eu também quero, então vou precisar estudar”. Na graduação eu já tinha em mente que queria ser professora por saber que era a área que dava para crescer na região em que morava. Queria fazer mestrado e doutorado para fazer concurso e ficar na região de Urutaí. Era muito focada naquilo e pensava que quando acabasse eu ia curtir a vida, fazer tudo aquilo que os colegas falavam. Eu pensava: “Quando acabar eu vou fazer tudo o que não fiz, o que diziam que eu deveria fazer, vai dar tempo, estarei jovem”. Os objetivos eram grandes e me dedicava integralmente àquilo. Agora que passou tudo, fiquei naquela situação de me perguntar e agora, o que vou fazer? E o que mais? Casar e ter filho? Mas eu acho que esse processo foi excelente, hoje posso falar ok, cumpri minha listinha de sonhos e posso fazer o que eu quiser: estudar outros assuntos, me divertir, curtir a família … Foi muito bom. Algumas partes foram difíceis, outras nem tanto, mas eu estava tão focada em cumprir minhas tarefas que não olhava muito em volta, os olhares, os julgamentos…
Você ainda mantém o vínculo com a Universidade? De que forma?
Eu ainda tenho algumas pesquisas em andamento na UFG juntamente com meu orientador, apesar de ter terminado o doutorado. Não sei se tem em vista coisas novas, mas atualmente temos três estudos diferentes em andamento. Pesquisas em parceria com a Unesp e a USP, em fase de análise de dados para submissão. Além dessas, tem a pesquisa da minha tese. Continuo em contato com meu orientador. Se virá alguma coisa no futuro, não sei; se vier, será muito bem-vindo.
Então conta um pouquinho sobre a sua área de pesquisa.
Eu trabalho com mineração de dados, que permite realizar análise de dados em diversas áreas. É o método de investigação para encontrar informações úteis em bases de dados. No mestrado, trabalhei com uma base de dados com diferentes vinhos, de diferentes locais. Isso tem uma importância no quesito de fraude, é importante definir modelos de diferenciação, saber os rótulos importantes em cada localidade para diferenciar de outros semelhantes. Para isso, há uma série de problemas, como diferenciar a origem e a uva. Desenvolvemos algumas pesquisas relacionadas ao tema, em que aplicamos mineração de dados a análise de diferentes vinhos, além de também trabalhar com alguns outros tipos de dados relacionados à área da saúde, como análises de amostras de urinas de crianças para ver o dano no DNA causado por bisfenol e parabenos. Também analisamos dados químicos obtidos a partir da saliva de pacientes com câncer de boca e da urina de pacientes com pulmão, com o objetivo de determinar biomarcadores, além de realizar algumas pesquisas mais teóricas.
Atualmente, você trabalha como professora no IF Goiano. Como tem sido esse trabalho?
É maravilhoso ser professora. No primeiro semestre de 2015 foi a primeira oportunidade de lecionar. Em cada experiência, lecionei para diferentes cursos, idades e disciplinas. No início, devido ter idade próxima a dos alunos, em algumas situações foi mais trabalhoso, é preciso ser flexível. Eu acho muito bacana e importante poder lecionar, além de ser bem positivo estar mais próxima aos alunos no sentido dos interesses e visões de mundo em comum devido à proximidade de idade. Gosto de me sentir mais próxima do aluno e aproveitar essa relação para engajar o conteúdo. Ministro disciplinas de programação e redes de computadores. No semestre passado pude lecionar uma disciplina sobre minha área de pesquisa, mineração de dados, e foi maravilhoso.
Para quem quiser acompanhar seu trabalho, tem site, rede social?
Linkedin, ResearchGate, perfil do Scholar, e também o instagram e meu canal no youtube. Nas redes Linkedin, ResearchGate e o perfil do Scholar é possível acompanhar as publicações acadêmicas. No instagram gosto de compartilhar um pouco de meus interesses, além de assuntos relacionados às disciplinas que leciono (perfil @profa.nattaneluiza). Quando comecei a dar aula no período emergencial remoto, eu gastava muito tempo procurando vídeos complementares às aulas e não encontrava material do jeito que eu queria passar o assunto. Decidi então produzir meus próprios vídeos para complementar as aulas, e acabei criando um canal no youtube para deixar os vídeos disponíveis para meus alunos e a quem mais se interessar no assunto. Os alunos têm gostado bastante, principalmente os alunos do curso técnico. Os vídeos possuem um estilo mais youtuber, com animações, além de serem vídeos curtos para facilitar o aprendizado nesse período de aulas remotas. Me divirto muito e faço tudo: planejamento, gravação, edição. Pretendo alimentar mais os canais.
Siga: canal Professora Nattane no youtube e perfil @profa.nattaneluiza no instagram.
É egresso da UFG e quer contar a sua história para a gente? Entre em contato: sempreufg@ufg.br.
Fonte: Sempre UFG